quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O gato, o rato e o colono

O Kowalski é o gato da minha amiga Marina. Marina me empresta o seu apartamento enquanto não tenho um teto fixo na ilha de Floripa. Tenho convivido bastante com Kowalski nas últimas semanas. Ele é calado, compenetrado, raramente solta um palavrão e gosta de assistir o canal de musica BIS. Kowalski, como todo gato, é super higiênico e enterra o seu próprio cocô em uma banheira com pedrinhas na lavanderia da Marina. Mas o Kowalski não aprendeu isso do senhor Kowalski Pai, ou com a senhora Kowalski, sua mãe. Kowalski nasceu na rua e foi encontrado poucas horas após vir a este mundo onde humanos muitas vezes não enterram seus próprios cocôs. E assim Kowalski foi adotado. Marina não o ensinou a enterrar o cocô, pois Marina não enterra o seu. Então como Kowalski faz isso?? Que fenômeno explica esse comportamento felino que dispensa ensinamentos?? O ato de enterrar as fezes é uma qualidade inata dos gatos que atravessa alguns milhares ou milhões de ano. Uma herança genética que pode ser passada de pai para filho ainda que o filho nunca tenha visto o pai fazer isso. 

Da mesma forma, em investigação cientifica pré-clinica (com animais) há o que chamamos de modelos animais para determinadas doenças/patologias. Utilizando estes modelos animais,  o pesquisador tenta reproduzir alguma condição que ocorre em humanos em animais de laboratório. Assim, esse pesquisador pode estudar como esta doença se desenvolve ou potenciais tratamentos para esta doença. Um modelo animal de ansiedade utilizado é o teste de odor de gato. Como funciona? Deixa-se um gato dormindo sobre uma flanela. No dia seguinte, esta flanela é colocada dentro da caixa do rato. Esse rato nunca viu um gato, nunca cheirou um gato, nunca levou um “ corridão” de um gato, nem mesmo o papai rato ou avô rato tiveram essa experiência, mas mesmo assim o odor do gato impregnado na pequena flanela é capaz de induzir um medo medonho no roedor. O bicho paralisa, se ouriça e entra em desespero. Mais um exemplo de herança genética que induz o animal a reproduzir um comportamento aprendido há milhões de anos por seus antepassados que ele nunca havia nem ouvido falar.

Também observamos um comportamento parecido em humanos oriundos de regiões campesinas. O gambá (gênero Didelphis), chamado pelos colonos do sul do Brasil de raposa, é um predador/comedor/ladrão das galinhas domésticas e naturalmente se torna um inimigo do colono. O colono não pode ver uma raposa que para tudo que está fazendo para caçar o pobre animal, independente da hora ou local que está, independente se ainda é ou não um criador de galinhas (talvez ele não tenha isso em sua genética, mas já ouviu muitos causos ao redor de algum fogão à lenha sobre a principal função do homem neste mundo: caçar raposas). Recordo de um conto do inicio dos anos 90, quando minha avó ainda vivia conosco. Era final da noite, hora de dormir, e então meu pai viu uma raposa subindo em uma árvore no quintal de casa. Prontamente, passou a mão em algum facão e se mandou para fora com um foque (lanterna) para caçar a raposinha. Minha avó, já com seus sessenta e tantos anos e de pijama, também saiu e foi ajudar o filho primogênito. Minha irmã e eu ficamos debruçados na janela assistindo a peleja. Foi um fuzuê até meu pai conseguir derrubar a raposa da amoreira. Minha avózinha, de pijama e pantufa,  possuía outro facão  à mão e foi certeira para vencer o secular inimigo e esfaqueá-lo até que meu pai descesse da amoreira e desse os vários golpes de misericórdia. Nunca vi bicho tão ruim de morrer como as raposas. O Seu Valdelírio atravessou o pobre animal fora a fora com o facão tramontina e a coitadinha ainda caminhou por alguns metros. Mas ao fim e ao cabo, caiu morta. Quando os dois assassinos de raposa voltaram para dentro de casa, com o sentimento de dever cumprido, se lembraram que era Sexta-feira Santa. Bah, se arrependeram de ter matado o bichinho neste dia, mesmo sendo uma raposa. Que pecado!!! Mas como o crime já estava feito, o que restou foi fazer algumas orações para pedir perdão pelo assassinato. Fomos todos dormir com a certeza do perdão, afinal, Deus entenderia que ao menos as raposas se pode matar na sexta-feira santa.

Outra vez, no ano 2000, funcionários que andavam frequentemente fazendo hora-extra em uma industria eletrônica de Pato Branco costumavam sair do trabalho depois da meia-noite. Um motorista da firma os buscava e entregava cada um em sua respectiva casa. Éramos umas 8 cabeças dentro de um Santana Quantun. De vereda, já quase 1 da manhã, uma raposa atravessa a rua em frente ao carro. Estávamos no bairro Menino Deus, no alto da Itacolomi. O motora breca o veículo bruscamente, e aqueles 7 funcionários que haviam trabalhado desde as 8 da manha até meia-noite, que nunca haviam vivido no campo, alguns nunca haviam tido sequer um berne ou bicho do pé e nenhum nunca havia criado galinhas, não hesitaram em descer do velho Volkswagen para cumprir a função do colono na Terra: caçar raposas. Descemos todos para caçar a raposinha madrugadeira. E a base de pau e pedras, em poucos minutos a matamos. 

O gato, o rato e o homem. Todos iguais. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário