quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Tecnologia User Friendly?

Umas das coisas que mais me chama atenção nos avanços da tecnologia eletrônica nos últimos anos é o impacto que ela gera em diferentes pessoas, culturas e gerações. 

Você pode me dizer: Ah... mas a minha vó é moderna e não sai do facebook. Eu diria: que legal (se o uso for saudável) ou, que triste (se ela não larga o tal do facebook e fica postando coisa que não deve, além de mandar convites diários pra aqueles joguinhos que todos nós amamos).

Em 2010 eu ganhei um iphone da minha mãe. Sim, eu gosto de iphone. Talvez, segundo o (post do Ney), eu seria classificado como um fiel não praticante da apple, porque apesar de gostar do meu iphone, sei que tem coisa melhor (de plástico) por aí. Enfim, lá em 2010 eu ganhei o meu iphone e todo feliz fui mostrar essa proeza da tecnologia pro meu Opa (avô pros alemão), que na época já tinha passado dos 80 anos. O Seu Norberto era um cara muito inteligente, mas não conseguiu entender a tal tecnologia touchscreen. Depois da minha apresentação ao estilo do Steve Jobs, meu Opa disparou: “que coisa… mas como pode funcionar se só tem um botôm?”…

Se o meu avô teve dificuldades pra entender o funcionamento de um smartphone, os filhos dos meus amigos que têm entre 1 e 2 anos já sabem desbloquear, abrir e fechar aplicativos e até tirar selfies. Não é raro ouvirmos o comentário de que essas crianças de hoje parecem já nascer sabendo essas coisas. Será? Será que elas não apenas imitam os seus pais que não conseguem mais viver sem os seus respectivos gadgets? Ou seriam os tables a versão mais moderna que existe para as antigas chupetas, afinal é só ligar a galinha pintadinha e o choro pára?

Aqui na África a coisa ainda é um pouco diferente. Apesar de a maior parte da população viver com menos de 1USD por dia, a disponibilidade de eletrônicos por aqui é impressionante, afinal de contas a África é um mercado consumidor gigante e muito promissor. Contudo, percebo que a cultura africana valoriza mais horas de bate papo ao vivo do que pra horas no facebook. O mesmo se aplica para as crianças que fazem das ruas da vizinhança os seus playgrounds. Elas não só brincam fora de casa, como desenvolvem seus próprios brinquedos. De alguma forma, me lembram das aventuras da minha própria infância no Brasil.

A moda agora é Pebolim feito de caixa de papelão, com “jogadores” feitos de pedaços de chinelos velhos. Além de ser um brinquedo realmente legal de brincar, o fato de fazer o próprio brinquedo é uma brincadeira por si só!



Não me entendam mal, não estou afirmando que a vida das crianças aqui na África é melhor porque elas estão, de certa forma, protegidas dos males da tecnologia moderna. Como falei antes, gosto muito do meu smartphone e segundo a minha esposa, sou até meio viciado em tecnologia. O meu ponto é que uma criança que sabe tudo sobre jogos eletrônicos e afins, mas que não sabe subir numa árvore ou brincar de chuta-lata, pode estar perdendo um divertimento que ela nem sabe que existe, sem falar no exercício físico. Criança é criança em qualquer lugar do mundo. As daqui são um pouco diferentes porque vêm de uma cultura que valoriza mais os relacionamentos (de brincar junto) do que o próprio brinquedo…. 


Meus vizinhos diriam: "Esse tal de ipad deve realmente ser algo mágico, porque os Wazungu (brancos) ficam hipnotizados por horas olhando pra aquela telinha enquanto tantas outras coisas e relacionamentos acontecem aqui no mundo real."

Sabemos como usar nossos eletrônicos, mas parecemos não saber quanto ou quando. Talvez essa idéia de "user friendly" não seja assim tão friendly quanto pensávamos ser.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Gustavo Cerati e a pseudoteoria da barreira cultural invisível



No último dia 04 de setembro morreu o músico Gustavo Cerati, definido pela BBC como “uma das figuras mais reconhecidas do rock em espanhol”.  Mas ai veio a (ou as) pergunta(s): Quantos de nós conhecíamos Gustavo Cerati? Quantos de nós conhecemos o rock em espanhol? Ou ainda: O quanto conhecemos da música em espanhol em geral?

Eu moro em Bogotá há aproximadamente 1 ano e meio e já tinha passado outros 7 meses aqui durante o doutorado sanduíche. Durante esse tempo, repetidas situações me levaram a pensar (e porque não, repensar) o quão próximo o Brasil é dos demais países da América do Sul. Aqui me limitarei apenas a questão cultural ligada a música (Deixo para um próximo post uma crônica sobre o cotidiano Bogotano).

Gustavo Cerati era o vocalista e líder da banda Argentina Sodastereo.  Já fazia uns 4 anos que estava em coma após um AVC que sofreu enquanto estava em turnê pela Venezuela. Mas eu conhecia essa banda ou esses detalhes antes de vir morar na Colômbia? A resposta curta e grossa é não. Não conhecia. Embora sim, conhecia algumas músicas deles. Entre elas Trátame suavemente e,  talvez a mais conhecida de todas De música ligera. Essa última, eu havia conhecido através da regravação dos Paralamas do Sucesso e depois pelo Capital Inicial.

E foi justamente essa correlação que foi feita pela imprensa brasileira (bom, estou me referindo ao site da principal empresa de telecomunicação do Brasil): “morre o cantor que teve música regravada pelos Paralamas e Capital Inicial”. Bah! A abordagem feita no título da reportagem condiz com a importância do cantor no cenário musical? Talvez para a maioria da população que fala português na América do Sul sim, pois não o conhecia (meu caso). Mas com certeza, para todos os outros países, hispano-hablantes, seguramente não.
Sodastereo e seu rock influenciou toda uma geração não só argentina como de quase todos os países que falam espanhol. Como cresci no Rio Grande do Sul e sempre gostei de Rock, posso dizer humildemente que a explosão do rock argentino influenciou bastante o cenário musical do meu estado, principalmente na década de 80 e 90. Isso talvez pela proximidade geográfica. Mas toda essa história é apenas uma situação dentro de um contexto um pouco maior.

A parte do rock em espanhol, que outro gênero musical em espanhol é ou foi amplamente difundido pelo Brasil? Claro que generalizações são sempre perigosas e quase sempre mal feitas.  Há vários artistas, como Julio Iglesias e seu guri, Shakira, Fito Paez, entre vários outros que conseguiram ter sua música amplamente difundida nas rádios brasileiras (Com certeza nesse momento, estou esquecendo de vários outros). Assim como artistas que fizeram o sentido inverso, brasileiros que fizeram sucesso nas rádios de outros países: Caetano Veloso, Paralamas do Sucesso... e também aqueles que no meu ponto de vista (gosto musical) não precisavam ter se expandido muito: Carrapicho, Michel Teló e Gustavo Lima. Esses últimos possivelmente tenham sido obra de muito marketing....

Isso me levou a pensar diversas vezes que tem uma espécie de barreira cultural invisível colocada justamente em cima da fronteira do Brasil. E, essa barreira poderia ter como cimento e tijolos o idioma. O Brasil é o único país do continente que fala português e talvez isso possa justificar o quão pouco nós conhecemos dos demais ritmos latinos, assim como (pelo menos nas conversas que tenho aqui na Colômbia) eles conhecem pouco dos nossos ritmos. De aí vem a minha “pseudoteoria”. Entre os demais países da América Latina, a difusão das músicas e ritmos tem passagem livre entre os territórios. Percebo que os países do Caribe tem mais difusão da salsa (por exemplo), enquanto que o já citado rock argentino tem influencia que alcança até aqui na Colômbia (e quem sabe mais longe ainda).

Mas porque "pseudoteoria"? Porque creio que ela ainda é jovial.... carece talvez de argumentos e até de outras hipóteses para poder amadurecer a uma teoria em si. Vejamos...

Um dia os meus colegas de trabalho daqui me perguntaram se eu conhecia Vicente Fernandez. “- Quem?”. “- É colombiano?”. Não... na verdade é mexicano. Mas aqui e em diversos países da América do Sul e Central ele é um ídolo. Varias outras vezes passei em branco nesse tipo de pergunta: “- Conhece o Joe”, “- Conhece o Juanes”, “- Conhece o Carlos Vives?” (me limitando aos cantores colombianos), “- Conhece o Marc Anthony?”. - Esse sim, disse eu. Era aquele que comia a Jennifer Lopez, certo?
Outro dia devia estar meio irritado, e a uma dessas perguntas, respondi: “E você?... Conhece o Mano Lima???”.

Mas, acho que na verdade o conhecimento de ambos os lados realmente possa estar limitado à língua. Eu, na amplitude da minha ignorância, não conhecia os ritmos (e muito menos os cantores) salsa, merengue, vallenato (típico colombiano), etc... Assim como aqui eles não conhecem a música tradicional gaúcha, o axé ou até o sertanejo clássico. Não tem nem ideia que é o Mano Lima (heresia!), Ivete Sangalo ou Leandro e Leonardo. Somos hermanos, mas do tipo que cada irmão tem os seus discos e CD´s e compartilhamos amplamente apenas os discos gringos.


No final das contas, sigo ignorante em relação aos diversos gêneros musicais que são cantados em espanhol, mas aos poucos vou diminuindo minha ignorância e ampliando a minha cultura. Creio que a todos que lhes interesse, essa barreira pode ser facilmente transpassada. E o mais interessante... em ambas as direções. 

domingo, 21 de setembro de 2014

Conselhos de pai e mãe

21 anos de conselhos que recebi dos meus pais.

1993

Pai: Se apanhar na rua vai apanhar em casa também.
Mãe: Se aprontar na rua eu vou ficar sabendo.


1994
Pai: isca grande, peixe grande.
Mãe: não minta pra mim, eu vou descobrir a verdade.


1995
Pai: antes de comer o peixe precisa aprender a armar a vara
Mãe: cada um tem que fazer a sua parte


1996
Pai: para jogar bem, precisa treinar bem.
Mãe: se é pra fazer que seja bem feito


1997
Pai: todo barco precisa de uma boa poita pra ficar parado
Mãe: cuidado com as más companhias


1998
Pai: agora que entrou na briga vai até o fim.
Mãe: paciência, teu irmão pode porque é mais velho.


1999
Pai: perdeu? Precisa treinar mais
Mãe: não é porque os outros fazem que está certo.


2000:
Pai: ou tu estuda ou tu não vai ser nada nessa vida
Mãe: nunca deixe te humilharem.


2001
Pai: Ih filho, aquilo é melancia de porco, bonita por fora e podre por dentro.
mãe: tudo ao seu tempo, não queira queimar etapa.


2002
Pai: melancia grande tu nunca come sozinho
Mãe: cuida do teu pinto, tu não achou ele no lixo.


2003
Pai: cuidado com quem come lambari e arrota caviar
Mãe: lembre-se que um filho é pra toda vida.


2004
Pai: se te deixou na mão, não era amigo de verdade, era amigo de festa
Mãe: nem todos os amigos são para toda a vida


2005
Pai: tu fez a escolha, agora seja homem e agüente firme
Mãe: não deu certo? Paciência, não é o fim do mundo.


2006
Pai: o trabalho dignifica o homem
Mãe: filho, não existe trabalho mais ou menos importante.


2007
Pai: sempre saiba onde fica a porta, ou janela, mais próxima.
Mãe: fale a verdade pra ela, custe o que custar.


2008
Pai: quem muito fala pouco faz
Mãe: você quem tem que saber i que quer da tua vida.


2009
Pai: tem que ter coragem pra desistir
Mãe: se não estiver bem feito comece tudo de novo.


2010
Pai: cuidado com os falsos amigos, são piores que amigos falsos.
Mãe: se afaste dos invejosos


2011
Pai: vai e seja humilde
Mãe: faz teu trabalho bem feito que será reconhecido.


2012
Pai: não cuspa no prato que comeu, mas não baixe a cabeça.
Mãe: não é porque deu errado agora que não vai funcionar mais tarde.

2013
Pai: orgulho não é arrogância
Mãe: com o andar da carruagem as abóboras se ajeitam.


2014
Pai: ta com medo de que?
Mãe: é normal ter medo, excesso de confiança é arrogância.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Saco de Lixo

Andava eu pela rua, já tarde da noite. Restava-me o último gole de uma garrafa de vinho, que tomei com a cumplicidade de uma coruja. Ainda mantinha a garrafa vazia na mão quando apareceu uma esquina cujo vértice continha um saco de lixo, logo ali, depois do último gole.
- Abro o saco de lixo, jogo a garrafa dentro e vou-me embora - pensei.
Abri, olhei para dentro do saco e vi que era um saco de lixo cheio de sorrisos. Fechei discretamente e segui o meu caminho, tão cúmplice quanto a coruja, como quem não tem nada com isso.
Em casa, ainda antes de pegar no sono, aquele último pensamento que fecha a porta da consciência falou algo como “a coisa deve estar muito feia”. Dormi uma noite meio de fantasma, meio noite de minuano intenso uivando na janela. Acordei, e antes de sentir a boca seca e a tontura da ressaca, me lembrei da sacola.
Com a lembrança veio a dúvida:
 – Será que naquele saco de lixo tinha algum sorriso meu ou para mim?     

Com o golpe os lençóis esvoaçaram da cama. Levantei-me com pressa e nem me lembro como saí de casa. Cheguei até a rua da noite anterior, talvez tarde de mais, talvez no momento exato: enquanto a noite agonizava e as luzes do dia espreitavam no horizonte, a cidade em silêncio, um vira-lata havia fuçado o saco de lixo. Quando cheguei à esquina a rua estava tomada por gargalhadas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A Igreja Appleniana do Último Santo

A Igreja Appleniana do Último Santo - Inspirado na fé de um amigo

Quando o brilhante Steve Jobs ainda guri desenvolvia equipamentos eletrônicos na garagem da casa de seu pai adotivo, o mesmo nem devia sonhar que um dia seus projetos poderiam mudar a vida de milhões de pessoas. Seria ainda mais difícil de imaginar que muitos de seus futuros clientes não seriam apenas clientes, mas se converteriam em fiéis, no sentido bíblico, seguidores da religião Appleniana. Sua companhia, a Apple, da qual foi fundador, depois demitido, e para a qual retornou após alguns anos, se tornou uma religião para muita gente. E como toda instituição religiosa que se preze, a Apple faz o uso de técnicas e estratégias precisas para aumentar seu rebanho e a arrecadação de seu dízimo. Vigílias, cerimônias religiosas com apresentação de milagres ao vivo e um dízimo cada vez mais salgado, deixam os titios Edir e Valdemiro com uma pontinha de inveja.

Hoje, no início do terceiro milênio, a Igreja Appleniana possui milhões de fiéis em mais de 250 países, feito não alcançado por nenhuma outra religião. No entanto, diferentemente de outras grande religiões, pouquíssimos fiéis possuem a imagem do fundador em sua parede de casa, embora também seja possível encontrar isso na casa dos mais fervorosos. Muitos críticos dizem que após a morte de Jobs a igreja perdeu qualidade nos seus milagres e que as homilias e milagres do novo cardeal, Tim Cook, não fazem o mesmo sucesso que outrora os sermões de Jobs faziam. No entanto, a morte tem sempre uma força arrebatadora na emoção e irracionalidade das pessoas, justamente o terreno mais fértil para criar a arapuca da conversão.  Assim, o crescente rebanho está cada dia mais disposto a realizar maiores promessas e maiores sacrifícios, financeiros também claro, para ser o fiel mais abençoado da paróquia e entre seus irmãos da comunidade.   

Vigílias são cada vez mais comuns e mais duradouras antes da canonização de cada santo, que os fiéis esperam ansiosamente uma vez por ano. Dos Estados Unidos ao Japão, fiéis acampam durante dias e até semanas em frente aos templos na esperança de receber a graça e a salvação o mais rápido possível. Em frente ao templo todo envidraçado na Quinta Avenida de Nova York, que lembra vagamente a pirâmide em frente ao Louvre, jovens e adolescentes de uma das correntes mais fanáticas estão acampados a espera da canonização do sexto santo da Igreja, que no entanto, ainda não tem data para acontecer. “Estou acampado aqui há 12 dias, estou super empolgado e ansioso por este momento. Não vejo a hora de receber meu Sexto Santo direto da mão do cardeal. Além de receber uma série de bênçãos e orações que ainda nem conheço e nem necessito, mas tenho certeza que tão logo eu as conheça, serei tocado, e não mais poderei viver sem as mesmas. Vários de meus amigos estão aproveitando o final das férias de verão, vida profana, sexo, bebidas e rock ‘n’ roll. Mas apenas eu começarei o novo semestre abençoado!”, diz um orgulhoso universitário que pediu para não ser identificado. “É que quero fazer uma surpresa para todos”, finaliza ele.  Do outro lado do mundo, um fiel japonês se reveza com a namorada na vigília em frente ao  templo Apple no bairro de Ginza, em Tóquio. Enquanto isso, ele posta selfies em suas redes sociais gabando-se de ser o primeiro da fila e recebendo instantaneamente centenas de likes. “Minha namorada fica na fila durante o dia enquanto eu trabalho, e eu passo as noites aqui”.






 A tão esperada cerimônia para canonização do sexto santo aconteceu alguns dias atrás e contou com a Igreja lotada. A celebração foi um sucesso!  O Templo estava lotado e havia uma excitação no ar.  “O mundo está parado neste momento para ver esta celebração”, diziam os mais exaltados. O burburinho dominava o ambiente por horas, até que, em determinado momento surge o cardeal atual, o abençoado por Jobs, Tim Cook. Ele adentra ao altar e é ovacionado pela multidão de fiéis e jornalistas presentes. Na assembléia, se observam sorrisos, espantos, bocas abertas, choros, assobios, aleluias, misturas de contemplação, fé e euforia. Todos imaginando o quanto suas vidas serão melhores e mais excitantes agora com os novos milagres que este ser recém nascido, mas já idolatrado, poderá realizar.

Os fiéis que não foram capazes de comparecer à cerimônia que acontecia na Califórnia, se reuniram em grupos em cada canto do mundo para assistir e descobrir os novos milagres que este sexto santo seria capaz de realizar. Em Vancouver, na costa oeste do Canadá, um grupo de fiéis que trabalham como autônomos, tiraram a tarde para folga e realizaram um barbecue em um parque da cidade para celebrar e acompanhar a cerimônia ao vivo. “Embora o verão já esteja acabando, eu ainda não tinha curtido um dia de parque neste ano, e ainda não havia me reunido face-to-face com meus amigos. Mas este momento é sagrado para todos nós, todo santo ano nós fazemos questão de acompanharmos juntos e celebrarmos, é o ponto alto do verão sem dúvida nenhuma”, disse um jovem engenheiro.

No entanto, outras igrejas tem redobrado as críticas ao Rito Appleniano nos últimos anos. Dizem que os últimos santos canonizados fazem praticamente o mesmo que os anteriores e que apenas necessitam de diferentes orações para interceder pelos mesmíssimos milagres. Pior ainda, outras igrejas acusam a Apple de oferecer como milagres o que em outros terreiros dizem que já não passam mais de boas benzeduras e garrafadas. Claro, aos ouvidos dos fiéis, nada disso faz sentido, pois o princípio de cada religião é prometer ser a única capaz de levar à Salvação.

A estratégia de arrecadação do dízimo appleniano é super eficaz. Uma vez por ano seus fiéis contribuem com o regular dízimo a cada final de verão do hemisfério norte. Contudo, ao contrário do sucesso alcançado por Malafaias e cia, incrivelmente os cardeais applenianos conseguem arrecadar valores mais elevados justamente sobre os fiéis menos favorecidos financeiramente. Abaixo da linha do Equador, geralmente o dízimo é mais que o dobro do valor pago pelos fiéis do norte. O que torna ainda mais intrigante a fé desses fiéis, pois os mesmos pagam muito mais para receber estes milagres meses e meses após os irmãos do lado setentrional. Seria como se você fosse pagar hoje por um fiat 147 0 km mais do que se pagava antigamente, embora ele continuasse inapropriado para motoristas com mais de 1,63 m. Resumindo, os fiéis mais pobres, recebem as bençãos mais tarde, e mesmo assim precisam pagar um dízimo maior. “Isto se chama fé e devoção, você não precisa entender, precisa viver”,  diz um fiel brasileiro que divide o dízimo em 12 suaves prestações. “Eu sempre divido em 12 vezes o dízimo, justamente por isso que já faz 4 anos que pago o dízimo todo mês”, completa ele.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Como tantas outras

A vida me parece meio vazia quando me vejo sentada aqui de frente da janela vendo prédios cinzentos – de uma metrópole sem sentido. Sinto-me velha quando de relance meus olhos cansados refletem sob o espelho e acendo mais um cigarro, sabendo que não posso e não devo temer.  Encontrei você perdido em um bar à noite com suas botas e chapéu, um personagem de um livro do Kerouac em um bar de jazz na cidade que nada tinha a oferecer. Sem saber o que fazer a bebida foi paga e acordei com cheiro de uísque sobre quatro braços perdidos. Logo pensei, de certo modo, que estava ali por engano perdida em lençóis brancos com cheiro de cigarro barato. Corpos suados, densos e nus.
Respirei o ar amargo de arrependimento tentando preencher os pulmões e o estômago de algo que pudesse ser menos azedo que o gosto que tinha entre meus dentes amarelos. Vasculhei o quarto por um par de calçados entre as garrafas, cigarros e o frio que saia da ventilação antiga de um apartamento qualquer do centro antigo da cidade. Onde estou? De quem pertencem esses dedos? Esses cabelos? Esses sapatos pesados? Apoiei-me tonta em algum canto qualquer entre uma porta semi-aberta e a pia e tentei lembrar cada segundo entre o último copo de cerveja e um posto de gasolina e como fui justo eu, parar ali perdida e sem destino.  Engoli em seco o som de blues que saia do som antigo sob uma escrivaninha e lembrei que da minha vida nada levaria, nem lembranças perdidas sob o álcool e o desejo de fugir ou morrer.  Arrastei meu corpo para fora imaginando que, afinal, nada iria lembrar aqueles corpos e eles muito menos de mim. Nem imaginava que em uma cidade cinzenta dois ou até três corpos poderiam se encontrar novamente. Três corpos. E saí dali caminhando desejando não apenas o esquecimento, mas uma xícara doce de café, açúcar sempre foi um erro -  pior que o cigarro.
O apartamento era em uma rua do centro que havia apenas caminhado uma vez, uma ruela entre um museu e um correio. Aquele mesmo correio que mandei a última carta para você, antes de tudo. Antes de eu mesma me tornar um ponto vagando sem sentido pelas ruas, antes de perder o emprego, a casa, as roupas, o bom senso e a sanidade. Antes de escutar que você havia encontrado “alguém mais focado, mais coerente” – frase que só esqueço quando sinto meu corpo ficar mais leve em uma cadeira de bar.  
Tomei meu café doce e voltei para casa desejando que você estivesse ali comigo. Que um dos corpos fosse o seu, que meu corpo estive entrelaçado ao seu - não a estranhos.  Subi as escadas do prédio antigo o qual havia me mudado logo depois que você encaixotou todos os livros, fez suas malas e disse que eu poderia ficar com o apartamento desde que pagasse o valor do aluguel – sozinha.
Ao subir as escadas vi duas baratas correrem e pensei o quanto a minha vida já foi limpa. Abri a porta do apartamento e vi o livro do Caio ao lado da minha máquina de escrever dentro desse apartamento tão pequeno quanto a minha esperança de melhorar de vida.  Queria fugir. Queria machucar você. Queria entender. Sentei aqui e escrevi uma carta para alguém ou para ninguém. Li em voz alta – com o intuito terapêutico de escutar a própria voz e acendi um cigarro imaginando que a rua cheia, os prédios cinzentos poderiam me salvar. Dormi o dia inteiro no sofá.
      Acordei com a cabeça doendo e o cinzeiro cheio ao meu lado. Vesti minha blusa branca, uma calça e passei um batom – um rosto colorido para uma alma sem cor.  Desci para um bar qualquer – mais uma noite para esquecer o que não consigo. Quem sabe mais alguns corpos estranhos ou espuma no copo. Preciso aprender a viver sem você. É apenas mais uma noite – como tantas outras.  

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

TERRA DO NUNCA


TERRA DO NUNCA

Há um lugar no Universo
Onde as crianças não crescem
Elas simplesmente permanecem
Para sempre crianças
Como se o tempo não existisse por lá.

Neste lugar,
A inocência nunca vai embora
A felicidade não tem hora
Vive-se como criança
Vida melhor não há como encontrar.

Vejo-a por lá correndo,
Pulando e brincando
E eu aqui, apenas admirando
O sorriso mais belo
Que lá, neste lugar, se fez eternizar.

Às vezes, vou até lá
Permaneço por uns instantes
Sinto a realidade distante
Mas volto,
Volto porque é preciso voltar.

Ela não volta comigo
Fica lá, sorrindo
Acena como que pedindo
Fica mais um pouco!
E eu, um dia, hei mesmo de ficar.

Ficarei de um jeito ou de outro
Seja presente na lembrança
Ou talvez voltando a ser criança
Acreditando no que não posso ver
Mas só eu sei o quanto posso imaginar.
...
Há um lugar no Universo
Onde o vazio que ficou
É proporcional ao amor
Não espero que ele vá ter um fim
Pois não é no fim que eu quero acreditar.

À Pretinha - in memoriam
Um ano de muita saudade.


Rafael marIano

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O que a gente não vê, o cérebro (re)inventa (ou, vi Jesus na bunda do cachorro): parte I

Você alguma vez já se perguntou se tudo que você vê, existe, ou, se tudo que existe, você vê? Estas perguntas podem ser respondidas através de experimentos muito simples. Vamos à primeira pergunta:

se você vê tudo que existe


Olhe bem a figura abaixo. Perceba tudo o que existe nela. Comece pelos círculos coloridos situados na periferia. Agora, concentre o seu olhar (por cerca de 30 seg.) no ponto central da figura. 





Você percebeu que os círculos coloridos foram, pouco a pouco, desaparecendo?


Talvez você esteja pensando, isso provavelmente não aconteceria em uma situação cotidiana. Para testar isso e alertar os motoristas britânicos sobre os perigos de dirigir sem prestar atenção nos ciclistas, os caras do dothetest.co.uk utilizaram o teste abaixo para verificar a atenção geral, de qualquer pessoa, enquanto ela está concentrada em uma tarefa específica.


Teste de atenção 



Como foi? Bem ou você atropelaria o ciclista? Se você quer se redimir do seu desempenho ou aprimorá-lo, tente outra vez. É o mesmo procedimento. Mas agora você tem duas funções, contar os passes e dizer o que o gorila vai fazer.




Se você foi mau nos testes, não se preocupe, isso acontece com boa parte de quem participa. Para se conformar um pouco, assista este vídeo aqui que fala sobre um tipo especial de cegueira que acontece frequentemente, a cegueira de escolha.




Agora vamos às coisas que você vê, e que de fato, não existem.


Você consegue contar quantos pontos pretos aparecem/piscam nas figuras abaixo?







Estas duas figuras anteriores são diferentes versões da Hermann gris illusion, criada pelo fisiologista alemão Ludimar Hermann (Berlin, 1838 – Königsberg, 1914). 


Ou  consegue ver o triângulo?


Este triangulo é conhecido como o Triângulo Kanizsa e foi criado pelo psicólogo e artista italino Gaetano Kanizsa (Trieste, 1913 – 1993).


E a pombinha vermelha, você enxerga? 

Bom, para este teste, você deve olhar fixamente para o ponto preto no interior da pombinha durante aproximadamente 40 segundos e depois, imediatamente, olhar para um fundo branco, uma parede, por ex. Se você quiser adicionar um pouco de efeito para ficar mais legal, pisque continuamente enquanto olha a parede.




Falando ainda em coisas que não existem, a “força” mais poderosa que pode levar alguém a ver "algo", é o senso comum, a crença, ou, a fé. Você provavelmente já escutou muitas estórias de pessoas dizendo que viram uma luz branca ou ouviram uma voz enquanto estavam tendo uma experiência de quase morte (aquelas pessoas que apresentaram parada cardiorrespiratória, por ex., e que foram reanimadas). Supostamente, se existe céu, também existe inferno, certo? Você já se perguntou por que só temos notícia de gente que viu a tal luz branca mas nunca ouvimos falar sobre pessoas que sentiram cheiro de enxofre, fumaça ou voltaram um pouco sapecadas? Bom, fatos como estes sustentam ainda mais a tese do que “ver” é antes de tudo, “acreditar”. Se você duvida disso, dá uma olhada na imagem abaixo (e nesta coleção de imagens aqui: "aparições"), e me diz o que você vê, seu pecador!




No próximo volume desta série, tentarei explicar porque o nosso cérebro “vê” coisas que não existem, é “cego” para um monte de outras coisas, e nos passa somente um resumo daquilo que chamamos de mundo real.