terça-feira, 23 de setembro de 2014

Gustavo Cerati e a pseudoteoria da barreira cultural invisível



No último dia 04 de setembro morreu o músico Gustavo Cerati, definido pela BBC como “uma das figuras mais reconhecidas do rock em espanhol”.  Mas ai veio a (ou as) pergunta(s): Quantos de nós conhecíamos Gustavo Cerati? Quantos de nós conhecemos o rock em espanhol? Ou ainda: O quanto conhecemos da música em espanhol em geral?

Eu moro em Bogotá há aproximadamente 1 ano e meio e já tinha passado outros 7 meses aqui durante o doutorado sanduíche. Durante esse tempo, repetidas situações me levaram a pensar (e porque não, repensar) o quão próximo o Brasil é dos demais países da América do Sul. Aqui me limitarei apenas a questão cultural ligada a música (Deixo para um próximo post uma crônica sobre o cotidiano Bogotano).

Gustavo Cerati era o vocalista e líder da banda Argentina Sodastereo.  Já fazia uns 4 anos que estava em coma após um AVC que sofreu enquanto estava em turnê pela Venezuela. Mas eu conhecia essa banda ou esses detalhes antes de vir morar na Colômbia? A resposta curta e grossa é não. Não conhecia. Embora sim, conhecia algumas músicas deles. Entre elas Trátame suavemente e,  talvez a mais conhecida de todas De música ligera. Essa última, eu havia conhecido através da regravação dos Paralamas do Sucesso e depois pelo Capital Inicial.

E foi justamente essa correlação que foi feita pela imprensa brasileira (bom, estou me referindo ao site da principal empresa de telecomunicação do Brasil): “morre o cantor que teve música regravada pelos Paralamas e Capital Inicial”. Bah! A abordagem feita no título da reportagem condiz com a importância do cantor no cenário musical? Talvez para a maioria da população que fala português na América do Sul sim, pois não o conhecia (meu caso). Mas com certeza, para todos os outros países, hispano-hablantes, seguramente não.
Sodastereo e seu rock influenciou toda uma geração não só argentina como de quase todos os países que falam espanhol. Como cresci no Rio Grande do Sul e sempre gostei de Rock, posso dizer humildemente que a explosão do rock argentino influenciou bastante o cenário musical do meu estado, principalmente na década de 80 e 90. Isso talvez pela proximidade geográfica. Mas toda essa história é apenas uma situação dentro de um contexto um pouco maior.

A parte do rock em espanhol, que outro gênero musical em espanhol é ou foi amplamente difundido pelo Brasil? Claro que generalizações são sempre perigosas e quase sempre mal feitas.  Há vários artistas, como Julio Iglesias e seu guri, Shakira, Fito Paez, entre vários outros que conseguiram ter sua música amplamente difundida nas rádios brasileiras (Com certeza nesse momento, estou esquecendo de vários outros). Assim como artistas que fizeram o sentido inverso, brasileiros que fizeram sucesso nas rádios de outros países: Caetano Veloso, Paralamas do Sucesso... e também aqueles que no meu ponto de vista (gosto musical) não precisavam ter se expandido muito: Carrapicho, Michel Teló e Gustavo Lima. Esses últimos possivelmente tenham sido obra de muito marketing....

Isso me levou a pensar diversas vezes que tem uma espécie de barreira cultural invisível colocada justamente em cima da fronteira do Brasil. E, essa barreira poderia ter como cimento e tijolos o idioma. O Brasil é o único país do continente que fala português e talvez isso possa justificar o quão pouco nós conhecemos dos demais ritmos latinos, assim como (pelo menos nas conversas que tenho aqui na Colômbia) eles conhecem pouco dos nossos ritmos. De aí vem a minha “pseudoteoria”. Entre os demais países da América Latina, a difusão das músicas e ritmos tem passagem livre entre os territórios. Percebo que os países do Caribe tem mais difusão da salsa (por exemplo), enquanto que o já citado rock argentino tem influencia que alcança até aqui na Colômbia (e quem sabe mais longe ainda).

Mas porque "pseudoteoria"? Porque creio que ela ainda é jovial.... carece talvez de argumentos e até de outras hipóteses para poder amadurecer a uma teoria em si. Vejamos...

Um dia os meus colegas de trabalho daqui me perguntaram se eu conhecia Vicente Fernandez. “- Quem?”. “- É colombiano?”. Não... na verdade é mexicano. Mas aqui e em diversos países da América do Sul e Central ele é um ídolo. Varias outras vezes passei em branco nesse tipo de pergunta: “- Conhece o Joe”, “- Conhece o Juanes”, “- Conhece o Carlos Vives?” (me limitando aos cantores colombianos), “- Conhece o Marc Anthony?”. - Esse sim, disse eu. Era aquele que comia a Jennifer Lopez, certo?
Outro dia devia estar meio irritado, e a uma dessas perguntas, respondi: “E você?... Conhece o Mano Lima???”.

Mas, acho que na verdade o conhecimento de ambos os lados realmente possa estar limitado à língua. Eu, na amplitude da minha ignorância, não conhecia os ritmos (e muito menos os cantores) salsa, merengue, vallenato (típico colombiano), etc... Assim como aqui eles não conhecem a música tradicional gaúcha, o axé ou até o sertanejo clássico. Não tem nem ideia que é o Mano Lima (heresia!), Ivete Sangalo ou Leandro e Leonardo. Somos hermanos, mas do tipo que cada irmão tem os seus discos e CD´s e compartilhamos amplamente apenas os discos gringos.


No final das contas, sigo ignorante em relação aos diversos gêneros musicais que são cantados em espanhol, mas aos poucos vou diminuindo minha ignorância e ampliando a minha cultura. Creio que a todos que lhes interesse, essa barreira pode ser facilmente transpassada. E o mais interessante... em ambas as direções. 

2 comentários:

  1. Interessante como precisamos sair de nossa bolha para conhecer nossos vizinhos. Eu também não conheço nada da história, cultura, e muito menos música dos hermanos. Há alguns dias fui com um colega chileno em uma festa de sul-americanos, aqui na Alemanha. Havia eu e uma outra brasileira (gaúcha, por acaso), o restante, eram todos "hispano-hablantes". Tinha gente da Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, Peru e Mexico. Todos pareciam estar muito a vontade, e muito integrados, o idioma é claro era espanhol. Eu, tentei arranhar um "portunhol", acho que consegui, pelo menos me comuniquei com bastante gente, mas acabei passando o maior tempo conversando com a namorada canadense do chileno que me convidou, infelizmentea, é mais confortável me comunicar em inglês. Durante a festa acabei me sentindo o "patinho feio" da América do Sul. Eles, os hispanos, conheciam todas as músicas que tocavam, todas em espanhol. Tocou salsa, cúmbia, rock argentino, e outros ritmos que eu também não conhecia.
    Compactuo da tua teoria, Geison. Acho que o idioma formou uma barreira, mas saí de lá feliz, e um pouco envergonhado por não saber nada da cultura dos nossos vizinhos.
    E tive que ir em uma festa na Alemanha para perceber isso.

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  2. Quando morei na Argentina tive uma impressão parecida, embora eu percebesse que eles conheciam muito mais a nossa música e cultura do que nós a deles. Acredito que a língua é uma barreira importante. Mas na época eu pensava em outros "tijolos" para essa barreira: no Brasil parece que a cultura é muito mais eurocentrada e debitária dos yankees, gerando um desconhecimento ou até uma inferiorização da cultura de nossos vizinhos latinos. Enquanto que na Argentina, Uruguai, Peru, Bolívia, percebia uma valorização (até por questões políticas e de resistência à colonização cultural) da cultura latino americana.

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