domingo, 7 de junho de 2015

Você se sente latino americano?

Você se sente latino americano?

Essa pergunta foi feita durante um almoço com o grupo do trabalho. Estávamos em um grupo bastante internacional, dois chilenos, três alemães, uma iraniana, uma francesa alemã (é assim que ela se declara) e um brasileiro. A pergunta foi feita pra mim, o brasileiro. Por incrível que pareça eu tenho duas respostas para essa pergunta, e elas são diretamente relacionadas com o momento que deixei o Brasil para viver na Europa.

A primeira resposta é: não, eu me sinto brasileiro. E essa resposta seria única se eu não tivesse convivido com tantos outros latinos aqui na Alemanha. Depois de 11 meses aqui eu mudei minha resposta, hoje afirmo: sim, sou latino americano.

Engraçado que precisei sair da bolha brasileira para começar a pensar nisso, para abrir meus olhos para os nossos vizinhos enxergando-os como irmãos. Era como se eu tivesse uma cortina de fumaça* impedindo de ver como nós somos semelhantes, compartilhamos de uma história de conquista e colonização, fomos explorados por séculos, ainda o somos. Passamos por processos ditatoriais, ainda lutamos por uma democracia plena. Nosso povo convive com a fome e falta de educação. Sofremos as mesmas mazelas, e dividimos as mesmas lutas. Além disso, também compartilhamos de uma alegria incomparável. Temos sorriso fácil.

A questão é que desde que ouvi essa pergunta tenho pensado muito a respeito. Por que razão eu tenho duas respostas? O que faz com que eu me sentisse mais brasileiro que latino americano? Lembrei da primeira festa na casa do meu amigo chileno, havia apenas outra brasileira (cujo namorado era argentino) lá, os demais eram chilenos, argentinos, venezuelanos, equatorianos, mexicanos e um costa-riquenho. As músicas eram todas em espanhol, tocou cumbia, rumba, salsa, merengue, regeton e roque latino. Com excessão de “Dale a tu cuerpo alegria macarena” e Clandestino do Manu Chao, e “gasolina” e eu não conhecia nenhuma das músicas. Me senti deslocado, como o patinho feio da festa. Foi a primeira vez que me perguntei: por que somos tão distantes dos nossos vizinhos?

Mais tarde eu soube que eles conhecem a música e cultura brasileira. Pelo menos a mais tradicional. Todos conhecem um pouco de samba, alguns conhecem e dançam forró. O axé foi sucesso no Chile no inicio dos anos 2000. Além disso, nossas telenovelas são muito famosas por lá. Os chilenos conhecem muito bem novelas como O clone e Chica da Silva. Também consomem cinema brasileiro, Cidade de Deus, Carandiru e Tropa de Elite foram os mais mencionados. Outros ainda conhecem escritores brasileiros. Fiquei muito feliz ao saber que Paulo Freire e a pedagogia do oprimido são estudados por lá.

Mas a música latina tem pouca presença no Brasil, pelo menos essa é a minha interpretação. Não lembro de ouvir música latina em nossas rádios. Consumimos muito do que é produzido pelos EUA. Com excessão do Chaves e Chapolin e de algumas telenovelas mexicanas não conhecemos o cinema latino. A música, o cinema, a literatura e a televisão representam uma maneira de entrar em contato com a cultura de outro povo.

Apesar de conhecermos pouco de nossos vizinhos sabemos muito da cultura norte-americana. Acompanhamos todos os lançamentos de Hollywood. Sinto que temos nos tornado mais parecidos com os yankees do que com nossos vizinhos, e irmãos. Fico triste quando penso nisso.

Ainda não sei explicar a razão disso tudo. Não acho que seja apenas uma consequência de falarmos português. É muito mais fácil compreender o espanhol que o inglês. Alguém tem uma boa explicação para isso**?

E você, se sente latino americano?



* Lições para a vida. A expressão cortina de fumaça eu aprendi com o professor Dr. João Jorge Correa durante suas aulas de políticas educacionais.

** O Geison Costa já escreveu sobre isso aqui no Bagunça Coletiva: http://baguncacoletiva.blogspot.de/2014/09/gustavo-cerati-e-pseudoteoria-da.html Vale a pena conferir a opinião dele sobre o assunto.

segunda-feira, 23 de março de 2015

À minha Ilha querida



À minha Ilha querida

És minha casa
Mesmo quando habito outros ares.
És o horizonte
Onde volta e meia repousam meus olhares.

Porque mesmo quem voa
Também precisa pousar.
E você, minha Ilha Mágica
É a terra firme que escolhi para fitar.

Terra envolta por águas
Que encontra no azul de seus mares
O espelho que reflete sua verdadeira imensidão.

Ilha de poucos acessos
Que encontra na velha ponte iluminada
Os caminhos que levam ao meu coração.

Ilha das rendeiras, da lagoa,
Dos sonhos e dos sonhadores.
Ilha dos poetas solitários
Das suas poesias e de seus pescadores.

És tu, meu pedacinho de terra
O Desterro de minha vida.
É tua aquela lágrima
Que deixo cair sempre que estou de partida.

Rafael marIano
Foto por Gilliard Lach

domingo, 8 de março de 2015

Geni e o Zepelim

Geni e a família:
Dá um pano pra Geni Dá uma vassoura pra Geni. Ela é boa pra limpar Ela veio pra servir Ela é filha é mãe, é tudo em si Bendita Geni!
Geni e a rua:
Vem aqui, vem Geni Não finge que não escuta não, Geni O peito dela é bom de apalpar Vem ser safada no colo do papai aqui O corpo dela é de qualquer um... Bendita Geni!

Geni e a empresa:
Fala alto, vai Geni. Grita alto para o chefe ouvir “Ele não quer me escutar” “Ele quer me oprimir” O que faz mulher aqui? Maldita Geni!

Geni e a política:
Precisas de um homem, Geni! O que te falta é um homem, Geni! Não serve nem para estuprar Vagabunda não tem vez aqui! Lugar de mulher é no fogão... Maldita Geni!

Não é bem assim... Mas é assim! Feliz dia da Mulher!

quarta-feira, 4 de março de 2015

Ah, a poesia...!



Ah, a poesia...!

Ah, a poesia!
Tão sublime e delicado gesto
De tentar traduzir o Universo
Escrever o que se sente
Dar palavras para o que não se vê.

Ah, a poesia!
Que me conecta com a vida
Que me lembra a essência do viver
E que volta a me lembrar
Sempre que em suas rimas eu permita me perder.

Ah, a poesia!
Esta ausência de tudo e presença de nada
Conexão com o nada e sintonia com tudo
Que, por trás de seus versos,
Ensina-me o que é aprender.

Ah, a poesia!
Que me tira este último suspiro
Que me deixa sem palavras
E mostra que o que há de mais sublime
Não é possível nem sequer escrever.

Rafael marIano

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sangrando para sobreviver.

Por: Felipe BeijaminiRevisão: Diangela Menegazzi


Em uma coleção de livros que mistura ficção e realidade para falar sobre a história de um dos maiores imperadores de todos os tempos, Gengis Khan, o autor Conn Iggulden passa o primeiro volume falando sobre a infância do ainda Temujin e sua juventude. Entre muitas aventuras que esbanjam coragem, audácia, dor, sofrimento, renúncia e muita, mas muita luta, estão histórias que ilustram a relação do Conquistador Gengis Khan com os pôneis. Temujin era mongol e, como a maioria do seu povo, cresceu entre pôneis, animais ágeis e incrivelmente resistentes. Os pôneis são fundamentais para essa gente, e foram indispensáveis para Temujin se tornar Gengis Khan! Esses animais ajudaram o imperador em praticamente todas as suas batalhas, seja transportando-o, seja alimentando-o. 
           
Como assim, alimentando? Os Mongóis comem carne de pônei? Francamente, não sei responder se usam a carne do animal para alimentação, mas sei que tomam o seu leite e, além disso, em momentos de crise, tomam o seu sangue. Quando Temujin, ou outro personagem da história, precisava fazer uma viagem muito longa, de dias ou semanas de cavalgada, não havia como transportar suprimento para toda essa jornada, portanto, a saída encontrada era o leite do pônei. Para garantir que teriam alimento por alguns dias, eles guardavam o leite em bolsas de couro que ficavam entre a sela e a pele do animal. O leite azedava e acabava se transformando em uma pasta seca e dura, quase um queijo. 
         
Quando as viagens eram muito longas e o cavaleiro não podia parar para se alimentar, pedaços dessa massa de leite azedo e seco serviam de alimento. Mas, isso deveria ser usado com sabedoria, lembre-se que leite azedo contém muita gordura e relativamente pouca água, é difícil sobreviver apenas com isso. A solução encontrada em situações extremas era de sangrar o animal. O viajante fazia um pequeno furo no lombo do animal, cortando uma veia de onde tirava um pouco de sangue. Esse sangue servia para hidratar o viajante e hidratar a massa de queijo, havia ali muita energia e nutrientes. Essa sangria só era feita em casos extremos e exigia sabedoria, muita sabedoria. O cavaleiro não poderia sangrar qualquer parte do animal e a quantidade de sangue retirado deveria ser pouca, de modo a não prejudicar a saúde do pônei. Quando a sangria é mal feita, o animal pode sofrer muito, ficar muito fraco e não conseguir transportar o cavaleiro. Cavaleiro sem cavalo padece cedo.
               
Os pôneis são indispensáveis para esse povo guerreiro, carregam seus donos nas costas, carregam esse povo nas costas e também sangram se preciso for.

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O fato é que não somos mongóis, muito menos somos pôneis, mas já nos sangram muito.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O gato, o rato e o colono

O Kowalski é o gato da minha amiga Marina. Marina me empresta o seu apartamento enquanto não tenho um teto fixo na ilha de Floripa. Tenho convivido bastante com Kowalski nas últimas semanas. Ele é calado, compenetrado, raramente solta um palavrão e gosta de assistir o canal de musica BIS. Kowalski, como todo gato, é super higiênico e enterra o seu próprio cocô em uma banheira com pedrinhas na lavanderia da Marina. Mas o Kowalski não aprendeu isso do senhor Kowalski Pai, ou com a senhora Kowalski, sua mãe. Kowalski nasceu na rua e foi encontrado poucas horas após vir a este mundo onde humanos muitas vezes não enterram seus próprios cocôs. E assim Kowalski foi adotado. Marina não o ensinou a enterrar o cocô, pois Marina não enterra o seu. Então como Kowalski faz isso?? Que fenômeno explica esse comportamento felino que dispensa ensinamentos?? O ato de enterrar as fezes é uma qualidade inata dos gatos que atravessa alguns milhares ou milhões de ano. Uma herança genética que pode ser passada de pai para filho ainda que o filho nunca tenha visto o pai fazer isso. 

Da mesma forma, em investigação cientifica pré-clinica (com animais) há o que chamamos de modelos animais para determinadas doenças/patologias. Utilizando estes modelos animais,  o pesquisador tenta reproduzir alguma condição que ocorre em humanos em animais de laboratório. Assim, esse pesquisador pode estudar como esta doença se desenvolve ou potenciais tratamentos para esta doença. Um modelo animal de ansiedade utilizado é o teste de odor de gato. Como funciona? Deixa-se um gato dormindo sobre uma flanela. No dia seguinte, esta flanela é colocada dentro da caixa do rato. Esse rato nunca viu um gato, nunca cheirou um gato, nunca levou um “ corridão” de um gato, nem mesmo o papai rato ou avô rato tiveram essa experiência, mas mesmo assim o odor do gato impregnado na pequena flanela é capaz de induzir um medo medonho no roedor. O bicho paralisa, se ouriça e entra em desespero. Mais um exemplo de herança genética que induz o animal a reproduzir um comportamento aprendido há milhões de anos por seus antepassados que ele nunca havia nem ouvido falar.

Também observamos um comportamento parecido em humanos oriundos de regiões campesinas. O gambá (gênero Didelphis), chamado pelos colonos do sul do Brasil de raposa, é um predador/comedor/ladrão das galinhas domésticas e naturalmente se torna um inimigo do colono. O colono não pode ver uma raposa que para tudo que está fazendo para caçar o pobre animal, independente da hora ou local que está, independente se ainda é ou não um criador de galinhas (talvez ele não tenha isso em sua genética, mas já ouviu muitos causos ao redor de algum fogão à lenha sobre a principal função do homem neste mundo: caçar raposas). Recordo de um conto do inicio dos anos 90, quando minha avó ainda vivia conosco. Era final da noite, hora de dormir, e então meu pai viu uma raposa subindo em uma árvore no quintal de casa. Prontamente, passou a mão em algum facão e se mandou para fora com um foque (lanterna) para caçar a raposinha. Minha avó, já com seus sessenta e tantos anos e de pijama, também saiu e foi ajudar o filho primogênito. Minha irmã e eu ficamos debruçados na janela assistindo a peleja. Foi um fuzuê até meu pai conseguir derrubar a raposa da amoreira. Minha avózinha, de pijama e pantufa,  possuía outro facão  à mão e foi certeira para vencer o secular inimigo e esfaqueá-lo até que meu pai descesse da amoreira e desse os vários golpes de misericórdia. Nunca vi bicho tão ruim de morrer como as raposas. O Seu Valdelírio atravessou o pobre animal fora a fora com o facão tramontina e a coitadinha ainda caminhou por alguns metros. Mas ao fim e ao cabo, caiu morta. Quando os dois assassinos de raposa voltaram para dentro de casa, com o sentimento de dever cumprido, se lembraram que era Sexta-feira Santa. Bah, se arrependeram de ter matado o bichinho neste dia, mesmo sendo uma raposa. Que pecado!!! Mas como o crime já estava feito, o que restou foi fazer algumas orações para pedir perdão pelo assassinato. Fomos todos dormir com a certeza do perdão, afinal, Deus entenderia que ao menos as raposas se pode matar na sexta-feira santa.

Outra vez, no ano 2000, funcionários que andavam frequentemente fazendo hora-extra em uma industria eletrônica de Pato Branco costumavam sair do trabalho depois da meia-noite. Um motorista da firma os buscava e entregava cada um em sua respectiva casa. Éramos umas 8 cabeças dentro de um Santana Quantun. De vereda, já quase 1 da manhã, uma raposa atravessa a rua em frente ao carro. Estávamos no bairro Menino Deus, no alto da Itacolomi. O motora breca o veículo bruscamente, e aqueles 7 funcionários que haviam trabalhado desde as 8 da manha até meia-noite, que nunca haviam vivido no campo, alguns nunca haviam tido sequer um berne ou bicho do pé e nenhum nunca havia criado galinhas, não hesitaram em descer do velho Volkswagen para cumprir a função do colono na Terra: caçar raposas. Descemos todos para caçar a raposinha madrugadeira. E a base de pau e pedras, em poucos minutos a matamos. 

O gato, o rato e o homem. Todos iguais. 


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

É sexta-feira, amor

É sexta-feira, amor. Todo mundo acorda com uma disposição diferente. Pode ter um monte de coisa no trabalho, mas tudo é feito com celebração, às vezes vazia, às vezes sagaz, às vezes saudável ou simplesmente às vezes. É véspera de final de semana e, para quem não trabalha aos sábados, tem gostinho de vitória. Afinal, merecemos. São tantas situações e informações que é necessária a cervejinha, o brinde saudável, independente que a ação cause um porre. Se amigos estiverem juntos, melhor ainda.
A gasolina subiu, as verbas para a educação estão sendo cortadas, os salários atrasados. Nada justifica isso. Somos roubados todos os dias. Pelo amor dos deuses, pelo menos não roubem a nossa sexta-feira. A Petrobrás está mergulhada em um poço negro, que nem petróleo é. O PT se afunda um pouco mais a cada passo e a Câmara dos Deputados elegeu um pulha que é sinônimo de retrocesso. Renan Calheiros e Aécio Neves trocam farpas e a tarifa de ônibus está fodendo sem vaselina vários cus. E quem tem cu, tem medo. No entanto, não nos privem do sorriso que queremos em um sexta-feira. Eu sei que é alienação não pensar ou agir para melhorar algo mesmo no fim de semana, mas é preciso respirar, esquecer por alguns momentos que a vida é mais foda do que os belos comerciais do Itaú. Nos permitam um início bom para dois dias de descanso, por favor.
É sexta-feira, amor.