sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sangrando para sobreviver.

Por: Felipe BeijaminiRevisão: Diangela Menegazzi


Em uma coleção de livros que mistura ficção e realidade para falar sobre a história de um dos maiores imperadores de todos os tempos, Gengis Khan, o autor Conn Iggulden passa o primeiro volume falando sobre a infância do ainda Temujin e sua juventude. Entre muitas aventuras que esbanjam coragem, audácia, dor, sofrimento, renúncia e muita, mas muita luta, estão histórias que ilustram a relação do Conquistador Gengis Khan com os pôneis. Temujin era mongol e, como a maioria do seu povo, cresceu entre pôneis, animais ágeis e incrivelmente resistentes. Os pôneis são fundamentais para essa gente, e foram indispensáveis para Temujin se tornar Gengis Khan! Esses animais ajudaram o imperador em praticamente todas as suas batalhas, seja transportando-o, seja alimentando-o. 
           
Como assim, alimentando? Os Mongóis comem carne de pônei? Francamente, não sei responder se usam a carne do animal para alimentação, mas sei que tomam o seu leite e, além disso, em momentos de crise, tomam o seu sangue. Quando Temujin, ou outro personagem da história, precisava fazer uma viagem muito longa, de dias ou semanas de cavalgada, não havia como transportar suprimento para toda essa jornada, portanto, a saída encontrada era o leite do pônei. Para garantir que teriam alimento por alguns dias, eles guardavam o leite em bolsas de couro que ficavam entre a sela e a pele do animal. O leite azedava e acabava se transformando em uma pasta seca e dura, quase um queijo. 
         
Quando as viagens eram muito longas e o cavaleiro não podia parar para se alimentar, pedaços dessa massa de leite azedo e seco serviam de alimento. Mas, isso deveria ser usado com sabedoria, lembre-se que leite azedo contém muita gordura e relativamente pouca água, é difícil sobreviver apenas com isso. A solução encontrada em situações extremas era de sangrar o animal. O viajante fazia um pequeno furo no lombo do animal, cortando uma veia de onde tirava um pouco de sangue. Esse sangue servia para hidratar o viajante e hidratar a massa de queijo, havia ali muita energia e nutrientes. Essa sangria só era feita em casos extremos e exigia sabedoria, muita sabedoria. O cavaleiro não poderia sangrar qualquer parte do animal e a quantidade de sangue retirado deveria ser pouca, de modo a não prejudicar a saúde do pônei. Quando a sangria é mal feita, o animal pode sofrer muito, ficar muito fraco e não conseguir transportar o cavaleiro. Cavaleiro sem cavalo padece cedo.
               
Os pôneis são indispensáveis para esse povo guerreiro, carregam seus donos nas costas, carregam esse povo nas costas e também sangram se preciso for.

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O fato é que não somos mongóis, muito menos somos pôneis, mas já nos sangram muito.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O gato, o rato e o colono

O Kowalski é o gato da minha amiga Marina. Marina me empresta o seu apartamento enquanto não tenho um teto fixo na ilha de Floripa. Tenho convivido bastante com Kowalski nas últimas semanas. Ele é calado, compenetrado, raramente solta um palavrão e gosta de assistir o canal de musica BIS. Kowalski, como todo gato, é super higiênico e enterra o seu próprio cocô em uma banheira com pedrinhas na lavanderia da Marina. Mas o Kowalski não aprendeu isso do senhor Kowalski Pai, ou com a senhora Kowalski, sua mãe. Kowalski nasceu na rua e foi encontrado poucas horas após vir a este mundo onde humanos muitas vezes não enterram seus próprios cocôs. E assim Kowalski foi adotado. Marina não o ensinou a enterrar o cocô, pois Marina não enterra o seu. Então como Kowalski faz isso?? Que fenômeno explica esse comportamento felino que dispensa ensinamentos?? O ato de enterrar as fezes é uma qualidade inata dos gatos que atravessa alguns milhares ou milhões de ano. Uma herança genética que pode ser passada de pai para filho ainda que o filho nunca tenha visto o pai fazer isso. 

Da mesma forma, em investigação cientifica pré-clinica (com animais) há o que chamamos de modelos animais para determinadas doenças/patologias. Utilizando estes modelos animais,  o pesquisador tenta reproduzir alguma condição que ocorre em humanos em animais de laboratório. Assim, esse pesquisador pode estudar como esta doença se desenvolve ou potenciais tratamentos para esta doença. Um modelo animal de ansiedade utilizado é o teste de odor de gato. Como funciona? Deixa-se um gato dormindo sobre uma flanela. No dia seguinte, esta flanela é colocada dentro da caixa do rato. Esse rato nunca viu um gato, nunca cheirou um gato, nunca levou um “ corridão” de um gato, nem mesmo o papai rato ou avô rato tiveram essa experiência, mas mesmo assim o odor do gato impregnado na pequena flanela é capaz de induzir um medo medonho no roedor. O bicho paralisa, se ouriça e entra em desespero. Mais um exemplo de herança genética que induz o animal a reproduzir um comportamento aprendido há milhões de anos por seus antepassados que ele nunca havia nem ouvido falar.

Também observamos um comportamento parecido em humanos oriundos de regiões campesinas. O gambá (gênero Didelphis), chamado pelos colonos do sul do Brasil de raposa, é um predador/comedor/ladrão das galinhas domésticas e naturalmente se torna um inimigo do colono. O colono não pode ver uma raposa que para tudo que está fazendo para caçar o pobre animal, independente da hora ou local que está, independente se ainda é ou não um criador de galinhas (talvez ele não tenha isso em sua genética, mas já ouviu muitos causos ao redor de algum fogão à lenha sobre a principal função do homem neste mundo: caçar raposas). Recordo de um conto do inicio dos anos 90, quando minha avó ainda vivia conosco. Era final da noite, hora de dormir, e então meu pai viu uma raposa subindo em uma árvore no quintal de casa. Prontamente, passou a mão em algum facão e se mandou para fora com um foque (lanterna) para caçar a raposinha. Minha avó, já com seus sessenta e tantos anos e de pijama, também saiu e foi ajudar o filho primogênito. Minha irmã e eu ficamos debruçados na janela assistindo a peleja. Foi um fuzuê até meu pai conseguir derrubar a raposa da amoreira. Minha avózinha, de pijama e pantufa,  possuía outro facão  à mão e foi certeira para vencer o secular inimigo e esfaqueá-lo até que meu pai descesse da amoreira e desse os vários golpes de misericórdia. Nunca vi bicho tão ruim de morrer como as raposas. O Seu Valdelírio atravessou o pobre animal fora a fora com o facão tramontina e a coitadinha ainda caminhou por alguns metros. Mas ao fim e ao cabo, caiu morta. Quando os dois assassinos de raposa voltaram para dentro de casa, com o sentimento de dever cumprido, se lembraram que era Sexta-feira Santa. Bah, se arrependeram de ter matado o bichinho neste dia, mesmo sendo uma raposa. Que pecado!!! Mas como o crime já estava feito, o que restou foi fazer algumas orações para pedir perdão pelo assassinato. Fomos todos dormir com a certeza do perdão, afinal, Deus entenderia que ao menos as raposas se pode matar na sexta-feira santa.

Outra vez, no ano 2000, funcionários que andavam frequentemente fazendo hora-extra em uma industria eletrônica de Pato Branco costumavam sair do trabalho depois da meia-noite. Um motorista da firma os buscava e entregava cada um em sua respectiva casa. Éramos umas 8 cabeças dentro de um Santana Quantun. De vereda, já quase 1 da manhã, uma raposa atravessa a rua em frente ao carro. Estávamos no bairro Menino Deus, no alto da Itacolomi. O motora breca o veículo bruscamente, e aqueles 7 funcionários que haviam trabalhado desde as 8 da manha até meia-noite, que nunca haviam vivido no campo, alguns nunca haviam tido sequer um berne ou bicho do pé e nenhum nunca havia criado galinhas, não hesitaram em descer do velho Volkswagen para cumprir a função do colono na Terra: caçar raposas. Descemos todos para caçar a raposinha madrugadeira. E a base de pau e pedras, em poucos minutos a matamos. 

O gato, o rato e o homem. Todos iguais. 


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

É sexta-feira, amor

É sexta-feira, amor. Todo mundo acorda com uma disposição diferente. Pode ter um monte de coisa no trabalho, mas tudo é feito com celebração, às vezes vazia, às vezes sagaz, às vezes saudável ou simplesmente às vezes. É véspera de final de semana e, para quem não trabalha aos sábados, tem gostinho de vitória. Afinal, merecemos. São tantas situações e informações que é necessária a cervejinha, o brinde saudável, independente que a ação cause um porre. Se amigos estiverem juntos, melhor ainda.
A gasolina subiu, as verbas para a educação estão sendo cortadas, os salários atrasados. Nada justifica isso. Somos roubados todos os dias. Pelo amor dos deuses, pelo menos não roubem a nossa sexta-feira. A Petrobrás está mergulhada em um poço negro, que nem petróleo é. O PT se afunda um pouco mais a cada passo e a Câmara dos Deputados elegeu um pulha que é sinônimo de retrocesso. Renan Calheiros e Aécio Neves trocam farpas e a tarifa de ônibus está fodendo sem vaselina vários cus. E quem tem cu, tem medo. No entanto, não nos privem do sorriso que queremos em um sexta-feira. Eu sei que é alienação não pensar ou agir para melhorar algo mesmo no fim de semana, mas é preciso respirar, esquecer por alguns momentos que a vida é mais foda do que os belos comerciais do Itaú. Nos permitam um início bom para dois dias de descanso, por favor.
É sexta-feira, amor.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Walk on the under line


Passos largos de casa ao trabalho revelam que estou em desvantagem na partida contra o relógio. Mesmo assim vou andando mais por dentro de mim que na calçada. Manoel me entenderia. Entre uma pernada e outra, uma mulher parada na calçada me chama. “Moça, onde fica o Mercado Municipal?”. Na velocidade da luz, me deparo com a primeira, e talvez única, delicadeza do dia: ela me pergunta o caminho.

A mulher não imagina, mas eu me regozijo quando alguém me pede as coordenadas geográficas. “Volte duas quadras, vire à esquerda, ande mais cinco quadras e pronto!, você estará em frente ao mercado”, respondo quase sem conter a emoção. Sorrio interna e longamente, e sigo.

Me satisfaço ao indicar caminhos. Esses pequenos e fugazes momentos em que sei dar a direção me realizam. Como é bom saber chegar a algum lugar. Traçar a rota, levantar a cabeça e, simplesmente, seguir. Sem medo.

Pode ser que você tropece numa pedra solta. Aqui há muitas delas nas calçadas e em dias de chuva, andar por elas, é quase como brincar de amarelinha. Pode ser que venha alguém e te atropele como aquele cara fez com o Vanderlei Cordeiro de Lima em Atenas. Pode ser ainda que alguém te roube a bolsa e você tenha que pedir ajuda para outros transeuntes. Mas do caminho você não esquece e, depois de tudo, segue...

É assim que a vida acontece.