sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Como tantas outras

A vida me parece meio vazia quando me vejo sentada aqui de frente da janela vendo prédios cinzentos – de uma metrópole sem sentido. Sinto-me velha quando de relance meus olhos cansados refletem sob o espelho e acendo mais um cigarro, sabendo que não posso e não devo temer.  Encontrei você perdido em um bar à noite com suas botas e chapéu, um personagem de um livro do Kerouac em um bar de jazz na cidade que nada tinha a oferecer. Sem saber o que fazer a bebida foi paga e acordei com cheiro de uísque sobre quatro braços perdidos. Logo pensei, de certo modo, que estava ali por engano perdida em lençóis brancos com cheiro de cigarro barato. Corpos suados, densos e nus.
Respirei o ar amargo de arrependimento tentando preencher os pulmões e o estômago de algo que pudesse ser menos azedo que o gosto que tinha entre meus dentes amarelos. Vasculhei o quarto por um par de calçados entre as garrafas, cigarros e o frio que saia da ventilação antiga de um apartamento qualquer do centro antigo da cidade. Onde estou? De quem pertencem esses dedos? Esses cabelos? Esses sapatos pesados? Apoiei-me tonta em algum canto qualquer entre uma porta semi-aberta e a pia e tentei lembrar cada segundo entre o último copo de cerveja e um posto de gasolina e como fui justo eu, parar ali perdida e sem destino.  Engoli em seco o som de blues que saia do som antigo sob uma escrivaninha e lembrei que da minha vida nada levaria, nem lembranças perdidas sob o álcool e o desejo de fugir ou morrer.  Arrastei meu corpo para fora imaginando que, afinal, nada iria lembrar aqueles corpos e eles muito menos de mim. Nem imaginava que em uma cidade cinzenta dois ou até três corpos poderiam se encontrar novamente. Três corpos. E saí dali caminhando desejando não apenas o esquecimento, mas uma xícara doce de café, açúcar sempre foi um erro -  pior que o cigarro.
O apartamento era em uma rua do centro que havia apenas caminhado uma vez, uma ruela entre um museu e um correio. Aquele mesmo correio que mandei a última carta para você, antes de tudo. Antes de eu mesma me tornar um ponto vagando sem sentido pelas ruas, antes de perder o emprego, a casa, as roupas, o bom senso e a sanidade. Antes de escutar que você havia encontrado “alguém mais focado, mais coerente” – frase que só esqueço quando sinto meu corpo ficar mais leve em uma cadeira de bar.  
Tomei meu café doce e voltei para casa desejando que você estivesse ali comigo. Que um dos corpos fosse o seu, que meu corpo estive entrelaçado ao seu - não a estranhos.  Subi as escadas do prédio antigo o qual havia me mudado logo depois que você encaixotou todos os livros, fez suas malas e disse que eu poderia ficar com o apartamento desde que pagasse o valor do aluguel – sozinha.
Ao subir as escadas vi duas baratas correrem e pensei o quanto a minha vida já foi limpa. Abri a porta do apartamento e vi o livro do Caio ao lado da minha máquina de escrever dentro desse apartamento tão pequeno quanto a minha esperança de melhorar de vida.  Queria fugir. Queria machucar você. Queria entender. Sentei aqui e escrevi uma carta para alguém ou para ninguém. Li em voz alta – com o intuito terapêutico de escutar a própria voz e acendi um cigarro imaginando que a rua cheia, os prédios cinzentos poderiam me salvar. Dormi o dia inteiro no sofá.
      Acordei com a cabeça doendo e o cinzeiro cheio ao meu lado. Vesti minha blusa branca, uma calça e passei um batom – um rosto colorido para uma alma sem cor.  Desci para um bar qualquer – mais uma noite para esquecer o que não consigo. Quem sabe mais alguns corpos estranhos ou espuma no copo. Preciso aprender a viver sem você. É apenas mais uma noite – como tantas outras.  

3 comentários:

  1. 'Um rosto colorido para uma alma sem cor.'
    Muito bom.
    Depois me cheirou a Bukowski, mas somente por conta das bebidas, do cigarro, ainda há esperança ali...ao contrario do velho que sabia que não havia, e sem as obscenidades claro.
    E a referencia a Caio; É o Caio Fernando Abreu?
    Porque sem muito porquê me fez lembra de 'Linda, uma história horrível', dele.

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    1. Que bom que gostou.
      Caio para mim sempre será o Abreu, paixão antiga.
      :)

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