quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Saco de Lixo

Andava eu pela rua, já tarde da noite. Restava-me o último gole de uma garrafa de vinho, que tomei com a cumplicidade de uma coruja. Ainda mantinha a garrafa vazia na mão quando apareceu uma esquina cujo vértice continha um saco de lixo, logo ali, depois do último gole.
- Abro o saco de lixo, jogo a garrafa dentro e vou-me embora - pensei.
Abri, olhei para dentro do saco e vi que era um saco de lixo cheio de sorrisos. Fechei discretamente e segui o meu caminho, tão cúmplice quanto a coruja, como quem não tem nada com isso.
Em casa, ainda antes de pegar no sono, aquele último pensamento que fecha a porta da consciência falou algo como “a coisa deve estar muito feia”. Dormi uma noite meio de fantasma, meio noite de minuano intenso uivando na janela. Acordei, e antes de sentir a boca seca e a tontura da ressaca, me lembrei da sacola.
Com a lembrança veio a dúvida:
 – Será que naquele saco de lixo tinha algum sorriso meu ou para mim?     

Com o golpe os lençóis esvoaçaram da cama. Levantei-me com pressa e nem me lembro como saí de casa. Cheguei até a rua da noite anterior, talvez tarde de mais, talvez no momento exato: enquanto a noite agonizava e as luzes do dia espreitavam no horizonte, a cidade em silêncio, um vira-lata havia fuçado o saco de lixo. Quando cheguei à esquina a rua estava tomada por gargalhadas.

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