Andava eu pela rua, já tarde da
noite. Restava-me o último gole de uma garrafa de vinho, que tomei com a
cumplicidade de uma coruja. Ainda mantinha a garrafa vazia na mão quando
apareceu uma esquina cujo vértice continha um saco de lixo, logo ali, depois do
último gole.
- Abro o saco de lixo, jogo a garrafa
dentro e vou-me embora - pensei.
Abri, olhei para dentro do saco e
vi que era um saco de lixo cheio de sorrisos. Fechei discretamente e segui o
meu caminho, tão cúmplice quanto a coruja, como quem não tem nada com isso.
Em casa, ainda antes de pegar no
sono, aquele último pensamento que fecha a porta da consciência falou algo como
“a coisa deve estar muito feia”. Dormi uma noite meio de fantasma, meio noite
de minuano intenso uivando na janela. Acordei, e antes de sentir a boca seca e
a tontura da ressaca, me lembrei da sacola.
Com a lembrança veio a dúvida:
– Será que naquele saco de lixo tinha algum
sorriso meu ou para mim?
Com o golpe os lençóis esvoaçaram
da cama. Levantei-me com pressa e nem me lembro como saí de casa. Cheguei até a
rua da noite anterior, talvez tarde de mais, talvez no momento exato: enquanto
a noite agonizava e as luzes do dia espreitavam no horizonte, a cidade em
silêncio, um vira-lata havia fuçado o saco de lixo. Quando cheguei à esquina a
rua estava tomada por gargalhadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário